quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Reportagem no Diário Popular sobre o III Agosto Negro


Agosto Negro propõe a reflexão sobre formação cultural de Pelotas

Em sua terceira edição, evento organizado pelo Coletivo Negada realiza diversas atividades no município
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Por: Tânia Cabistany
taniac@diariopopular.com.br

Com práticas focadas na valorização da autoestima da comunidade negra de Pelotas, o 3º Agosto Negro - Mobilizando a Negra Luta vai encerrar a segunda quinzena do mês com o saldo positivo da realização de diversas atividades ligadas à arte, à saúde, à educação e à economia solidária. Organizado pelo Coletivo Negada, o evento é um tempo para estudar, praticar a educação e divulgação sobre a história negra e as condições atuais dos afrodescendentes. Propõe a reflexão, por meio de ações voltadas à juventude periférica, da história e importância do negro para a construção cultural, arquitetônica, econômica e social da Princesa do Sul.

Nesta terceira edição, o Agosto Negro em Pelotas se estabeleceu para debater as questões carcerárias, incluindo a proposta do governo, de reduzir a maioridade penal. Com a temática Mobilizando a Negra Luta, são oferecidas em espaços educacionais e abertos atividades descentralizadas, que induzam ao debate. O trabalho é voluntário, de grupos e indivíduos que são e se fazem parceiros na luta antirracista do Coletivo Negada.

Homenagem ao ex-militante do Movimento Negro de Pelotas, Rubinei Machado, que morreu no início deste mês, marca a programação do Agosto Negro 2013. Rubinei tinha um extenso currículo de atividades ligadas à cultura negra. Presidiu o Conselho Municipal da Comunidade Negra, foi diretor Cultural do Clube Cultural Fica Ahí e membro do Fórum #Cotassim Pelotas. De acordo com a militante do Coletivo Negada, Sassá Souza, o próprio coletivo surgiu através do apoio de Rubinei, que sempre lutou pela reparação, por parte do Estado, dos crimes cometidos contra a população negra. "Por isso, esse Agosto Negro é dedicado a ele", ressalta.

A mão de obra escrava
Pelotas é uma das cidades brasileiras que tiveram uma das maiores concentrações de riqueza no período colonial. “Infelizmente, tudo isso graças à mão de obra escrava, que trabalhou no charque séculos afora e que mantém até hoje a cultura de sobrenomes e heranças das famílias escravistas”, comenta Sassá. Nas atividades do Agosto Negro são levados ao debate assuntos como a culinária afro-brasileira, dança afro, cotas estabelecidas por legislação, oficinas de percussão, técnicas renováveis e de reconhecimento entre outros.

A história do Agosto Negro
O Agosto Negro se originou nos campos de concentração da Califórnia, para homenagear os freedom fighters (guerreiros da liberdade) Jonathan Jackson, George Jackson, William Natal, James McClain e Khatari Gaulden. Jonathan Jackson foi morto a tiros fora do Marin County, Califórnia, em 7 de agosto de 1970, enquanto tentava libertar três combatentes pretos presos: James McClain, William Natal e Ruchell Magee.

Ruchell Magee é o único sobrevivente da rebelião armada. Ele é o ex-corréu de Angela Davis e foi preso por 40 anos, a maior parte em confinamento solitário. George Jackson foi assassinado por guardas da prisão durante uma rebelião na prisão de Black San Quentin em 21 de agosto de 1971. Três agentes penitenciários também foram mortos durante a rebelião. Os funcionários da prisão acusaram seis prisioneiros negros e latinos pela morte dos guardas.

Os seis negros ficaram conhecidos como o San Quentin Six. Para honrar esses soldados caídos, os que participaram da fundação coletiva do Agosto Negro usavam braçadeiras negras no braço esquerdo e estudaram livros revolucionários, enfocando as obras de George Jackson. No mês de agosto não ouviram rádio ou assistiram à televisão. Também não comeram ou beberam nada de sal até o pôr do sol. Realizavam exercícios diários, porque durante a Black Agosto a ênfase é colocada em sacrifício, coragem e disciplina.

“O Agosto Negro é tempo de abraçar os princípios de unidade, autossacrifício, educação política, formação física e resistência”, explica Sassá. A tradição do jejum durante a Black Agosto ensina essa autodisciplina. A consciência é a velocidade com efeito de sol a sol (das 6h às 20h). Isso inclui se abster de beber água ou outros líquidos e comer alimentos de qualquer espécie durante esse período.

Em 31 de agosto, o jejum é quebrado. Deve servir como um lembrete constante das condições que o povo negro enfrentou e ainda enfrenta. “Pode ser desconfortável, mas às vezes é bom lembrar a todos aqueles que vieram e se foram antes de nós”, salienta a militante do Coletivo Negada. ”Se estamos grandes hoje é porque estamos sobre os ombros de muitos antepassados”, completa.

O Agosto Negro visa à difusão dos Movimentos de Luta Negra, em memória aos vários militantes presos e assassinados pelo respeito e a dignidade do povo negro. O evento se espalhou por vários cantos do mundo, como Caribe, África do Sul, França e Rússia. Desde 2002, quando a Coordenadoria da Juventude da prefeitura de São Paulo, em parceria com a Coordenadoria de Assuntos da População Negra, trouxe a mobilização para o Brasil, o país integra o calendário mundial dos eventos que formam o Agosto Negro, ocorrendo em cidades como Salvador e São Luiz.

O que é o Coletivo Negada
O Coletivo Negada é um coletivo autônomo de negros e negras que utiliza a cultura afro e a educação como ferramentas de luta contra os vários tipos de discriminação racial. Surgiu no mesmo ano da primeira edição do Agosto Negro, que teve como temática Memória e identidade, e fez um resgate das ações dos clubes negros da cidade. Trata-se de um grupo de estudantes e não estudantes que se reúne para fomentar a discussão, a pesquisa e as ações em benefício da questão afro.

“Sentimos a necessidade de mais ações para que possamos construir mais espaços para debates de como se dá a participação da população negra neste contexto em que vivemos”, observa Sassá. Ela acrescenta que há mais de 400 anos a população negra contribui para construir o mundo em que vivemos, mas até hoje ainda essa história não foi contada. “Ao invés disso, preconceito e exclusão social imperam sobre a vida das pessoas de ascendência africana”, completa.

Conforme a militante, o objetivo do Coletivo Negada é propor ações contínuas e atividades esporádicas com o objetivo de discutir e se instruir para o debate das questões dos afro-descendentes, completa. “Nossa prática não se vincula com partidos políticos, buscamos construir nossas ações de maneira autônoma, nos unindo a quem tem o objetivo de lutar ou solidarizar-se com a causa afro”, adverte. Mais informações podem ser encontradas no blog coletivo-negada.blogspot.com.

Ensinando a reconhecer a habitação
Reconhecendo a habitação. O título da oficina, em princípio, faria você divagar a respeito da sua moradia, de como ela é. Exato. É isso mesmo, porém, conduzido de uma outra forma, nada convencional, na ótica da arquiteta Lívia Damé e aplicada aos alunos da sétima série da Escola Municipal de Ensino Fundamental Ferreira Viana, na Balsa. Não entendeu? Ela explica: “A proposta é imaginar o bem-estar que pode causar a possibilidade do ambiente que você vive despertar sensações”. E assim ela instigou as crianças a desenharem uma casa ou um ambiente que pensam como seu, como querem que seja.

Levou bergamotas e distribuiu entre os estudantes para resgatar a questão cultural do gaúcho, de comer a fruta no sol. Uma sensação boa. A partir de hábitos simples como esse ela lançou o desafio da construção, na ponta do lápis e no papel. “Se uma cor te faz bem, pinta a parede de sua casa com ela. Se uma horta te faz feliz, planta para depois poder colher”, ensinou.

Igor Marins, 13, iniciava então o desenho de sua casa. “Bem grandona”, definiu, ao justificar o motivo: pretende ter três filhos e cada um vai ter o seu quarto. A colega Ingrid Miranda, 13, ao contrário, iria “produzir” uma casa pequena, mas acabou fazendo grande porque menor é mais difícil de desenhar, admitiu. No futuro vai dividir a moradia com a colega e melhor amiga, Andressa.

Cultos religiosos e o hip hop
Na Escola Municipal Núcleo Habitacional Dunas o assunto foi cultos religiosos e hip hop. As crianças do programa Mais Educação ficaram sabendo que palavras como camundongo, capenga, mazanza, fandango e cacimba vieram para o Brasil com o povo africano. André Almeida e Adriane Ribeiro, do Coletivo Negada, ministraram a oficina, que abordou a religiosidade negra e o Movimento Hip Hop como símbolo da resistência negra. “Ainda existe muito preconceito e metade da população é negra. Não se discute a religiosidade do negro”, ressalta André. A professora Raquel Rodrigues, coordenadora do programa na escola, aprovou o trabalho e disse que outros Agostos Negros virão no educandário.  

link da notícia: http://www.diariopopular.com.br/index.php?n_sistema=3056&id_noticia=NzMwNDc=&id_area=Mg==

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