sexta-feira, 27 de julho de 2018

RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA MAIS UMA VEZ PERSEGUIDAS


STF inicia julgamento sobre sacrifício de animais em rituais religiosos
  por: Eliane Rubim

 No dia 9 de agosto de 2018, será julgado pelo Supremo tribunal Federal – STF o Recurso Extraordinário - RE 494.601, interposto pelo Ministério Público (MP) do estado do Rio Grande do Sul, contra o Tribunal de Justiça (TJ) gaúcho. O RE 494.601 questiona a constitucionalidade da Lei Estadual nº 12.131/04, em vigência no Rio Grande do Sul, que modificou o código estadual de proteção dos animais em 2004, excepcionando os cultos das religiões de “matrizes africanas” da proibição de crueldade.
Os desembargadores gaúchos consideraram que a lei não fere a Constituição estadual, desde que os animais sejam mortos “sem excessos ou crueldade”. O tribunal concluiu também que “não há norma que proíba a morte de animais, e, de toda sorte, no caso a liberdade de culto permitiria a prática”. O MP alega que a exceção dada as religiões de matrizes africanas, baseada na previsão da liberdade religiosa na Constituição Federal, não lhes dá o direito de cometer um crime contra os animais. E que a lei 12.131/04, segundo o RE, “invade a competência da União para legislar sobre matéria penal, assim como haveria privilégio concedido aos cultos das religiões de matriz africana para o sacrifício ritual de animais, ofendendo a isonomia e contrapondo-se ao caráter laico do país”.

Sobre a tensão de direitos entre proteção animal e liberdade religiosa, o sacrifício ritual de animais nas religiões de matriz africana não pode ser criminalizado nem perante a lei de crimes ambientais nem perante a lei de contravenções penais, pois ao realizá-lo o/a sacerdote/iza não tem a intensão de submeter os animais a maus tratos ou matá-los. O abate tradicional ou sacrifício de animais, que alguns integrantes dos povos tradicionais de matriz africana chamam de sacralização, é uma prática fundamental da liturgia desses povos.

Representantes de religiões de matriz afro criticam a proibição e alegam que se trata de preconceito e racismo contra um segmento. O abate para fins de culto não fere a Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Além disso, essas lideranças alegam que outras religiões praticam o procedimento, porém não são alvo de perseguições legais.

No ano passado, representantes da Comissão dos Terreiros Tombados da Bahia e outras lideranças religiosas e da sociedade civil se reuniram com a presidente do STF, Carmem Lúcia. Na ocasião, eles entregaram à ministra um parecer e um memorial com informações históricas, legais e culturais no mundo inteiro relacionados ao sacrifício de animais.

A decisão a ser tomada pelo STF valerá apenas para o Rio Grande do Sul, mas caso seja julgado a favor do MP, “se criaria um contexto de jurisprudência para todos os demais casos envolvendo abate/sacrifício de animais e as mais variadas religiões e tradições presentes em solo brasileiro. Podendo ocasionar o fim destas tradições, ou levar a clandestinidade/marginalidade os/as adeptos/as das mesmas, que continuarão com suas práticas ancestrais”. Alerta Chendler Siqueira, do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana.

Confira o vídeo com  Kota Mulanji Mona kelembeketa, coordenadora nacional do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana:


Conheça a lei:
Código estadual de proteção aos animais (Lei Estadual 11.915/2003)
Art. 2º - É vedado: I - ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência capaz de causar sofrimento ou dano, bem como as que criem condições inaceitáveis de existência; II - manter animais em local completamente desprovido de asseio ou que lhes impeçam a movimentação, o descanso ou os privem de ar e luminosidade; III - obrigar animais a trabalhos exorbitantes ou que ultrapassem sua força; IV - não dar morte rápida e indolor a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo; V - exercer a venda ambulante de animais para menores desacompanhados por responsável legal; VI - enclausurar animais com outros que os molestem ou aterrorizem; VII - sacrificar animais com venenos ou outros métodos não preconizados pela Organização Mundial da Saúde - OMS -, nos programas de profilaxia da raiva.
Parágrafo único - Não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos e liturgias de matriz africana

Constituição Federal
Art. 5º:
(...)
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade

Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998)
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.


Fontes:
Chendler Siqueira. Subsídios para o debate: julgamento no STF sobre abate tradicional realizado pelos povos de Matriz Africana.
Kota Mulanji Mona Kelembeketa. TRADIÇÃO ALIMENTA NÃO VIOLENTA. Disponível em: www.fonsanpotma.com.br

Portal do STJ: http://www.stf.jus.br